segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Artigo no Destructoid exaltou Amazônia e Renato Degiovani como o 1º game designer brasileiro



Já escrevi diversas vezes sobre o legado histórico de Renato Degiovani como o 1º game designer brasileiro e sua produção original, Amazônia, mas é sempre agradável observar mais pessoas resgatando essa história e enfatizando a importância do desenvolvimento de games nacionais e seu pontapé inicial, no início dos anos 1980, com a criação de Renato.

Em 10 de março de 2020, época em que o país estava prestes a entrar no conturbado período da pandemia com a Covid-19, escrevi para o Drops de Jogos, sobre um interessante artigo publicado no site especializado em games Destructoid, trazendo a saga da criação de Amazônia e o feito admirável de seu idealizador.

O artigo do Destructoid, assinado por um[a] articulista sob o pseudônimo Noir, já não está mais disponível online, embora não seja tão antigo. Esse fato denota a importância de mantermos atualizadas as informações postadas online, que se mostram tão voláteis com as constantes mudanças na rede.

Abaixo, portanto, republico minhas impressões sobre o artigo criado em reconhecimento ao mais longevo game designer do Brasil.

Não existe uma informação precisa sobre quem teria programado o primeiro game brasileiro ou sua data de lançamento, mas é incontestável que Renato Degiovani, formado em Desenho Industrial e Comunicação Visual pela PUC/RJ, em 1981, e criador de jogos desde o início de sua carreira, pode ser designado o 1º Game Designer brasileiro, conciliando duas características fundamentais dessa área de atuação.

O reconhecimento deste fato começa a atravessar fronteiras, por meio do artigo do articulista Nior, que escreve para o site Destructoid e atesta: "O jovem era um game designer antes mesmo do termo ter sido inventado".

No artigo "Brasil dos Games: O legado de Amazônia, o Primeiro Videogame Brasileiro", o autor discorre sobre o trabalho de um dos pioneiros do desenvolvimento de games no país e resgata uma história de perseverança e foco, movida pela paixão com este insurgente campo da tecnologia.

"Renato tomou contato com o universo da programação em 1980, no período em que estudava desenho insdustrial na universidade. Nessa época, ele trabalhava para conseguir um NEZ80, um clone do ZX80 e, a partir daí, começou a programar".

Nior continua, informando que a busca de Renato pelo conhecimento o levou a encontrar uma revista que continha programas compatíveis com o Sinclair ZX81, na qual encontrou os códigos para o game City of Azlan, "Um título de aventura primitivo sobre fugir da cidade que dava nome ao jogo - e que se tornou uma grande fonte de inspiração para Degiovani". 

Naquela época, explica o articulista, os programas precisavam ser digitados no computador. O usuário basicamente jogava ao mesmo tempo em que programava o jogo, usando os códigos que vinham nas revistas. Após seis meses de um intenso trabalho de programação, "Aventuras na Selva" estava pronto.

"Seu objetivo era criar um título complexo que levasse o sistema ao limite e, para isso, dedicou todo o seu tempo livre ao projeto, virando noites inteiras e até finais de semana de trabalho sem fim", comenta Nior, destacando a perseverança do designer. 

"O programa deveria ser distribuído em uma fita cassete, junto com um manual de instruções, um livreto contendo o código fonte e instruções sobre como usar o sistema operacional". A idéia do desenvolvedor, muito à frente de seu tempo, era não oferecer apenas ter um produto similar aos jogos internacionais, mas permitir que os jogadores criassem suas próprias aventuras, tornando o projeto um dos primeiros jogos de código aberto de todos os tempos. 

O texto ressalta a elegância do código criado por Renato em seu game: "Havia uma hierarquia na maneira como as informações eram exibidas e não havia texto desordenado na tela".

Mais à frente, Nior comenta como as trocas de cartas e contribuições frequentes de Renato à então recém-criada revista Micro Sistemas, levou ao convite para tornar-se um colaborador efetivo do veículo, viabilizando a primeira distribuição em massa de um game de sua autoria, Aeroporto 83. "Um game no qual você deve limpar uma pista de pouso com bombas antes de pousar seu avião, mais ou menos como um Space Invaders ao contrário", explica, afirmando que o game foi um sucesso, considerado o primeiro game brasileiro distribuído comercialmente. No mês seguinte, a revista esgotaria a edição com a distribuição em fita cassete de Aventuras na Selva. Em 1985, a versão do jogo para outros sistemas converteria o nome do projeto definitivamente para Amazônia.

"A importância de Amazônia para nossa cultura de jogos não pode ser subestimada", indica o autor. "Com sua paixão e visão, Renato literalmente criou nossa indústria, inspirando e indicando o caminho para os outros seguirem seus passos", defende Nior.

"Ele acredita firmemente que nossa cultura tem um potencial inexplorado para jogos e, no mundo globalizado de hoje, pode fazer toda a diferença separar nossos games dos demais", diz o texto. "Até hoje, ele continua criando, ensinando e promovendo a indústria que ajudou a criar".

Ficam aqui meu apreço pessoal e as singelas homenagens ao mestre Renato, com quem tenho o prazer de realizar, hoje, a produção de uma obra que se propõe a registrar a história dos games no Brasil. Caso você não conheça a iniciativa, pode ler mais sobre o projeto nesse link do Quebrando o Controle.

Em tempo: abaixo, você pode conferir uma entrevista que tive a oportunidade de realizar em 2016 na Campus Party com esse inventivo e inquieto desenvolvedor brasileiro. Assista,


Imagem: reprodução da arte original

sábado, 18 de janeiro de 2025

Video Games Live no Brasil - Gamer Blog [2008]

Em 2008, o RetroGamesBrasil era um blog iniciante que começava a  ser reconhecido no meio e trouxe, como consequência, alguns convites para escrever para outros veículos, a exemplo do site Game Cultura, do professor doutor Roger Tavares, e o Blogame, cujo artigo sobre o game brasileiro da TecToy  para o Nintendo DS foi resgatado na última semana, entre outros.

À ocasião, após uma troca de mensagens com a equipe responsável pelo site Gamer Blog, acabei participando com o envio de alguns artigos. O site foi descontinuado algum tempo depois, como era bastante comum à época para os sites de notícias não profissionais ou estabelecidos em portais famosos, como Uol e iG, por exemplo.

Abaixo, segue uma reportagem de janeiro de 2008, narrando a passagem do projeto Video Games Live pelo Brasil no final do ano anterior, então em sua segunda edição. Em razão do tempo decorrido e dos muitos problemas com HDs que deixaram de funcionar ao logo desses anos (quem nunca?), já não disponho de imagens ou filmagens de registro do evento.

Abaixo, você confere o texto original.

Como Música para Ouvidos 

Olá, galera!

E um privilegio ter sido aceito como colaborador do GB (uma interessante historia de desencontros que merece ser contada um dia!) e decidi começar caprichando no tema. 

Se você é fã dos games, e tinha uma graninha sobrando em meados de setembro de 2007, é claro que você foi assistir ao Vídeo Games Live, no dia 14 daquele mês.

Os músicos Jack Well e Tommy Talarico, que desde cedo encontraram no formato game um expressivo meio para explorar as possibilidades de musica incidental e de temas melódicos, ambos renomados pela criação de grandes composições para games clássicos, como Myst, Splinter Cell, MDK, Spider-Man, de 2000, e Maximo vs. Army of Zin, entre outras trilhas, decidiram certo dia criar uma grande apresentação mostrando a dimensão e a riqueza sonora alcançada pela musica dos games.

A primeira apresentação dos caras aconteceu no dia 6 de julho de 2005, no Hollywood Bowl, onde a fantástica Los Angeles Philharmonic Orchestra tocou para cerca de 11 mil pessoas.

O sucesso foi tão grande que a produção vem se apresentando desde então em vários lugares do mundo, repetindo o êxito e amealhando novos fãs, que talvez nunca tivessem se dado conta da beleza e da magia da densa estrutura musical que acompanha os videogames.

Jack Wall é músico e maestro, tendo concluído seu curso de regência em 1999. Mesmo que não soubesse conduzir a batuta, isso não seria problema, pois a apresentação é um show não apenas para os ouvidos, como também para os olhos, com alguns momentos de puro lirismo e outros de escrachado bom humor.

Naturalmente, os grandes clássicos dos vídeo games estão lá e são o carro-chefe das apresentações, tendo Super Mario e Sonic como presenças garantidas nos espetáculos, em apresentações orquestrais primorosas e inesquecíveis.

No caso de Super Mario Bros., há ainda a fantástica performance do músico chinês Martin Leung, um sujeito que toca o tema com a mais espantosa velocidade de todos os tempos. Se você nunca viu, nem ouviu, assista no vídeo abaixo.

Pong também está lá e Space Invaders tem destaque especial, sendo tocada pela orquestra enquanto um convidado da plateia joga no telão do palco, conduzindo a nave terrestre como se fosse um joystick gigante. Há outro vídeo, abaixo, com a performance de um incauto jogador no palco da apresentação.

Além dos clássicos famosos, outros temas belíssimos mas menos conhecidos são tocados, compondo uma apresentação musical primorosa e mostrando que a música dos games, quando convertida para uma performance com instrumentos reais, não deixa nada a desejar para Glenn Miller, Burt Bachara e outros papas das Big Bands que sua mamãe ou avó sempre gostou de ouvir. Agora, você pode mostrar para sua família que game também e cultura e acima de tudo, de bom gosto!

Bem, o VGL veio, ficou (pela segunda vez no Brasil!) e já se foi, deixando naqueles que não curtiram o evento o desejo de que volte em breve. Porém, o universo de criação de musica para games vai muito além das belas performances destes malucos sonoros.

Muita coisa bacana está disponível para download na internet, pra você se divertir e entender um pouco mais sobre o assunto.

Para finalizar, vale você conferir também outros aficionados por musicas de games, que levaram sua paixão um passo adiante, recriando os temas existentes e transformando-as em verdadeiros hits musicais. Alguns já são figurinhas carimbadas, como a banda brasileira Megadriver, mas outros como os japoneses do YMCK também são feras e valem a visita ao site oficial.








Em tempo: tive a oportunidade de conferir outras apresentações do projeto Video Games Live no Brasil e o último vídeo, acima, é uma compilação dos melhores momentos da apresentação de 2015, que gravei e editei para o site Drops de Jogos, onde fui editor de conteúdo entre 2015 e 2023.

Esse texto foi publicado no site Games Blog em 1º de janeiro de 2008.

Imagem: acervo pessoal - foto do VGL de dezembro de 2014

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Os games como linguagem, Videogames na Terceira Idade – Por Jaderson Souza e Tainá Felix [2015]



Nestes anos como editor em veículos diversos, tive a oportunidade de agregar o conhecimento de várias pessoas e estudiosos (a exemplo do aqui já mencionado Renato Degiovani), solicitando que redigissem seus artigos ou a autorização para reproduzir textos criados e disponibilizados em outros sites e materiais.

Abaixo, reproduzo um texto elaborado pelos pesquisadores e agentes culturais Tainá Félix e Jaderson Souza, criado originalmente para o site do Sesc SP, há dez anos, e republicado no extinto Play'n'Biz.

Passada uma década, o artigo permanece plenamente atual, como verão abaixo.

É fato que os jogos digitais, mais comumente chamados de videogames, estão presentes no dia a dia de muitas crianças, jovens e adolescentes. Menos evidente e emoldurando nossas ações do cotidiano, temos o próprio conceito de jogo. Eu jogo, tu jogas, ele joga. Sim! Conforme colocado por Johan Huizinga, filósofo mais recorrente nas pesquisas acerca da compreensão do conceito de jogo, ainda em 1938, “é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”.

Nos últimos cinco anos, temos nos dedicado à realização de atividades que favorecem a construção de conhecimento a partir de nosso objeto de pesquisa, os jogos digitais. Em tempos em que discutimos a qualidade da educação em nosso país, é interessante incentivarmos nossas crianças a construir saberes a partir de uma linguagem que compreendem tão naturalmente quanto o ar que respiramos. Assim, atividades mediadas por professores e que trabalham diversas questões – como o trabalho em equipe, exercícios físicos e até a prevenção ao alcoolismo –, são criadas e apresentadas aos nativos digitais (PRENSKY, 2007), pessoas que já nasceram com o advento de tecnologias como a internet, celulares, tablets e videogames.

Até então, tudo funciona muito bem na lógica aristotélica. Mas e se invertêssemos os papéis e pensássemos na relação entre os jogos digitais e a terceira idade? E se os imigrantes digitais (PRENSKY, 2007), pessoas nascidas antes dos adventos tecnológicos citados, pudessem compreendê-los e utilizá-los em seu dia a dia? Haveria interesse? Ao contrário do que poderíamos imaginar, tais respostas mostraram-se surpreendentes – e estão muito além de simplificarmos os games em meras ferramentas.

Apresentamos nosso ponto de vista e considerações com base em duas atividades desenvolvidas por nós e incluídas atualmente em nosso cardápio de atividades. O “Chá com Games: Games para a Terceira Idade” trouxe uma proposta de integração da terceira idade com o mundo dos jogos digitais. A partir da dualidade vivência-reflexão, tivemos durante dois meses de atividades sessões que misturavam a vivência com videogames e boas conversas – regadas a chá – acerca do conceito de jogo e suas aplicações no dia a dia.

Realizado com a unidade do Sesc Ipiranga, o curso teve um razoável número de inscrições ao seu início, as quais se reduziram consideravelmente ao longo do percurso. Naturalmente, o interesse das pessoas por algo bastante novo seria restrito. Contudo, as participantes que se permitiram dar tempo aos novos experimentos fizeram parte de um incrível espaço de troca de experiências e conhecimentos.

Curiosamente, o quórum foi 100% formado por mulheres. Trazendo consigo toda sua bagagem de vida, elas se surpreenderam com o conteúdo do curso, que, além da vivência, trazia o conceito de jogo absolutamente ligado à própria vida. “Eu nunca pensei que iria aprender sobre isso um dia!”, disse uma das participantes. Assuntos como atenção, memória, resolução de problemas e a relação da terceira idade com os jogos foram abordados a cada semana, incentivando as próprias participantes a trazer informações e materiais para o encontro, como revistas e jornais, por exemplo.

Após alguns encontros, muitas participantes relataram que haviam perdido o medo de brincar com seus netos “naquelas máquinas estranhas” e que agora passariam a se aventurar com eles. Outras ainda revelaram que ao jogar se esqueciam de tudo e o mundo parecia-lhes mais leve: “Isso aqui é pra ficar muitas horas, até queimar o feijão!”. Além disso, todas concordaram que os games poderiam deixá-las mais concentradas e atentas, caso fossem praticados frequentemente.

Também realizada com o Sesc Santana, a intervenção “Exergames para a Terceira Idade” foi conduzida ao contexto específico do treinamento corpóreo, buscando pensar e exercitar o corpo em sua completude de ações e pensamentos. Realizada em parceria com o espaço da academia, a proposta buscou apresentar uma experiência diferente e inovadora ao treino semanal dos participantes, enfatizando o teor intergeracional da programação da unidade.

Com os chamados Exergames, games controlados com movimentos corporais e que privilegiam a prática de exercícios físicos, foram apresentadas pontualmente questões como equilíbrio, coordenação motora, ação e reação e treinamento cardiovascular. Além de demonstrar a possibilidade da prática de exercícios de maneira lúdica, tivemos a preocupação em apontar o relacionamento dos videogames com tais aspectos relacionados a saúde e bem-estar.

Novamente, o público predominante – praticamente 100% –, foi composto por mulheres. “Vamos fazer exercícios com a televisão? Como assim?” Algumas indagaram. Rapidamente, o estranhamento tomou ares de curiosidade e sede por novos conhecimentos: “Como funcionam esses sensores? Posso ter um desses na minha casa?”

Nesta ocasião, pudemos observar algumas semelhanças e diferenças relevantes quando nos referimos ao treinamento sistemático feito geralmente nas academias e o treino livre que propusemos ao público da terceira idade. Por estarem acostumados com o sequenciamento de exercícios dentro do ambiente da academia – importante processo advindo das metodologias de treinos do corpo –, algumas sentiram dificuldade na compreensão do espaço proposto por nós como livre. A partir desse estranhamento, dosar o nível de liberdade e sistematização tornou-se fator importante para a compreensão de que seria possível exercitar-se a partir de novas tecnologias como os games e especialmente contando com a mediação de profissionais especializados.

Vivências como essas nos mostram o quanto o campo dos jogos digitais é imenso e como pode apresentar cultura e novos saberes àqueles que se permitem “pelos jogos serem jogados” (PETRY, 2010). Por um lado, estudos da área de cognição mostram que os jogos digitais podem ser grandes aliados da terceira idade, apresentando exercícios para a memória, lógica e reflexos. Apoiados na teoria da plasticidade cerebral e em estudos que apresentam resultados quantitativos, concordamos que os games podem mobilizar diversas faculdades mentais e treiná-las.

Com a geração de games de movimento, também pode-se treinar o corpo, como o equilíbrio, coordenação motora, reflexos ou até mesmo funções cardiovasculares. Muitos são os exemplos espalhados pelo mundo dessa prática pioneira. Nos Estados Unidos, já existem torneios de boliche digital em casas de repouso de vários estados do país. Os benefícios físicos no treinamento com os games de movimento são visíveis se praticados diariamente e com a presença de profissionais capacitados.

A integração geracional também é algo previsto e notável. Tomando os games como linguagem, a terceira idade pode se aproximar mais dos nativos digitais – seus netos e (possivelmente) filhos –, criando-se uma relação oportuna à construção de saberes por ambas as partes por meio da educação informal.

A relação entre games e a terceira idade nos traz algo além dos treinamentos cognitivo e motor. Ainda que os games sejam funcionais e divertidos, pode-se facilmente cair na tentação de torná-los meras ferramentas. Tomados como arte, temos uma relação de tenra liberdade, de conhecimento sendo construído de maneira surpreendente, algo parecido com o que as crianças sentem quando se deparam com algo inédito. Um suspiro de coragem… e algo novo é experimentado. Uma nova reflexão sobre o que realmente é o jogo, e uma experiência de sua adolescência agora parece fazer todo sentido. Na vivência com games, conhecimentos são construídos, tais como ocorrem em um objeto de arte: os games fogem das mãos de seus próprios criadores (STEIN, 2011), e a terceira idade, após uma vida de vastas experiências, ao embarcar no universo dos jogos, parece até poder atingir, novamente, a primeiridade.

Referências

HUIZINGA, JOHAN. Homo Ludens: O Jogo como Elemento da Cultura. Ed. Perspectiva, 2008.

PETRY, ARLETE DOS SANTOS. O Jogo como Condição de Autoria e da Produção de Conhecimento: Análise e Produção em Linguagem Hipermídia. Tese de Doutorado realizada pela PUC-SP, 2010.

PRENSKY, MARC. Digital Game Based Learning. Ed. Paragon House, 2007.

SANTAELLA, LUCIA. O Que é Semiótica. Ed. Brasiliense, 2003.

SOUZA, JADERSON. Paradigm Shift: Uma Aventura em Busca do Jogo. Dissertação de Mestrado realizada pela PUC-SP, 2011.

STEIN, ERNILDO. Pensar e Errar – Um Ajuste com Heidegger. Ed. Unijuí, 2011.

*

Jaderson Souza e Tainá Felix são sócios da Game e Arte. Jaderson Souza é Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (com apoio de bolsa CAPES) e especialista em Produção e Programação de games pelo SENAC-SP. Tainá Felix é formada em Comunicação das Artes do Corpo pela PUC-SP.

Ao longo desses muitos anos, os profissionais continuam sendo uma referência no campo da produção cultural associada aos jogos digitais e às questões identitárias afrocentradas e realizam inúmeras ações socioeducativas nas unidades do Sesc SP.

Imagem: arte do site Play'n'Biz


quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Brasil exporta Futebol para o DS - Março de 2009


Em 2009, a TecToy, que hoje busca novo espaço entre os dispositivos para games, parecia viver um bom momento, com o lançamento vários projetos, do então promissor console Zeebo e de games para outras plataformas, a exemplo de Tim Power, para o portátil Nintendo DS.

À ocasião, eu era colaborador do Blogame, um site voltado para notícias sobre o universo dos jogos digitais e dava meus primeiros passos para além desse blog pessoal, como jornalista de games, embora já contribuísse com os sites Aperta Start e GameCultura, até aquele momento, produzindo artigos mais detidos em análises sobre a experiência com games e o insurgente fenômeno dessa expressão de mercado como uma cultura digital.

O texto reproduzido abaixo enfatiza justamente o importante momento em que os primeiros games brasileiros ensaiavam a chegada aos consoles, avançando para além dos lançamentos para PC. Foi um feito importante, ainda que pontual para o design de games brasileiros.

Leia, abaixo.

A Tectoy não deixa a bola quicar em 2009! Veja o novo game!

Este parece ser o ano da oportunidade para a Tectoy.

Depois de ficar reclusa durante alguns anos, a empresa volta com tudo: Mega Drive 3, Zeebo (post a caminho, aguarde) e agora... Futebol no DS.

É isso mesmo! A Tectoy acaba de comunicar oficialmente à imprensa o lançamento de Tim Power Soccer Star, game desenvolvido pela empresa para o miniconsole da BigN.

À equipe de redação do UOL Jogos, André Nogueira, produtor da Tectoy Digital, comemorava a parceria com a Ubisoft: "Até novos personagens pudemos criar, como é o caso do técnico Raymond".

http://jogos.uol.com.br/ds/ultnot/2009/03/26/ult4096u684.jhtm

Tim Power, também conhecido como Sam ou Jake é personagem de outros jogos do console como Firefighter, Policeman e Handyman. Veja imagens e vídeos desses jogos no portal Sam Power.

http://sampowergame.uk.ubi.com

"A Tectoy Digital é recente, começou no início de 2006. Antes disso, nós éramos uma empresa independente, que na época tinha outro nome, e acabou se dividindo em duas partes. Uma parte ficou focada em games para celulares e virou o que hoje é a Tectoy Digital, produzindo games para celular, Nintendo DS, Zeebo [e] iPhone", afirmou André Penha, diretor da Tectoy Digital e um dos fundadores da Abragames, ao site Adrenaline, em abril de 2009.

Tim Power é uma franquia da Ubisoft já com três outros títulos lançados, produzidos por outros estúdios. Penha afirmou que "são jogos simples, mas muito bons, e esse jogo de futebol que produzimos surgiu a partir de um conceito que propusemos à Ubisoft". 

"Eles gostaram e  encomendaram o game como sendo parte da franquia Tim Power. Trabalhamos junto à Ubisoft e gostamos muito da parceria, eles são trabalhadores muito organizados e profissionais. Aprendemos muito com essa experiência no desenvolvimento, e agora vamos aprender com os jogos na prateleira", declarou.

Segundo o relaese de lançamento do projeto, a equipe de desenvolvimento do game foi composta por sete profissionais, incluindo artistas, programadores e um produtor, chegando a um total de doze profissionais envolvidos na produção do game.

Não deixa de ser mais uma vitória em terras Brasilis, onde há tanta dificuldade para a criação de jogos, sobretudo para consoles das grandes do setor.

Abaixo, você vê um vídeo do game.


 

Vai que é tua, Tim!

A TecToy Digital durou apenas alguns anos no mercado e foi constituída, de acordo com dados da Wikipedia, no final de 2005, quando o então executivo de publicação da Tectoy S.A., Reinaldo Normand, encontrou a Délirus, empresa de Campinas fundada por quatro ex-alunos do Instituto de Computação da Unicamp. Após uma curta negociação, dois dos sócios da Délirus fundaram a Tectoy Digital.

No início de 2006, André Penha e Rafael Nanya deram início à produção de games com uma equipe de 6 pessoas, atendendo a Tectoy Mobile, publicadora de jogos para celular da empresa. Em 2010, a TecToy Digital encerrou suas atividades.

Tim Power Soccer Star foi publicado em nove idiomas: Inglês, Francês, Italiano, Alemão, Espanhol, Holandês, Dinamarquês, Norueguês e Sueco. 

Joan da Silva, produtor da Ubisoft Entertainment, afirmou à ocasião que, para a equipe da Ubisoft, “desenvolver um jogo de futebol em um estúdio de jogos brasileiro faz todo o sentido, mas não podemos limitar o talento da equipe somente à popularidade do futebol no Brasil. A equipe da Tectoy Digital possui ótimas ideias para game design e traz ótimas soluções para o (Nintendo) DS”.

Esse texto foi publicado originalmente no site Blogame, em 09 de abril de 2009. O site foi decontinuado poucos anos depois.

Imagem: Eventyrhuset


segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Primeiro game para IBM PC foi criado por Bill Gates numa noitada, 44 anos atrás

 


Em 1981, a então incipiente empresa de fundo de quintal Microsoft estava prestes a fechar o primeiro grande contrato para fornecer seu sistema operacional para o IBM PC, computador que faria frente ao bem-sucedido Apple II, de Steve Jobs.

Ali, teve início também a história da criação do primeiro game para os PCs da IBM, desenvolvido em condições ultra precárias em uma única noite de trabalho por Bill Gates e Neil Konzen.

Na época, a programação dava seus passos iniciais para o uso dos micro computadores e pessoas como Bill Gates e Steve Jobs, para ficar apenas nesses dois exponentes, criavam suas produções na unha, programando cada linha e ficando verdadeiramente entusiasmados com os resultados.

Não fosse a criação de um game com o Basic uma proeza para poucos, o produto foi criado em uma virada de noite, como conta o próprio Bill, nessa transcrição da Conferência Anual de desenvolvedores Tech Ed de 2001, disponibilizada originalmente no site da Microsoft e hoje já fora do ar:

“De fato, estávamos eu e Neil Konzen, às quatro da manhã, com um protótipo do IBM PC, sentados numa sala pequena. A IBM fazia questão de que ficássemos num lugar com tranca na porta e só havia esse pequeno closet que tinha tranca, então tivemos que fazer todo o desenvolvimento lá dentro, com uma temperatura sempre superior a 100 graus [aproximadamente 38º Celsius]. Nós escrevemos tarde da noite um pequena aplicação para mostrar o que o Basic instalado no IBM PC poderia fazer. E foi assim que surgiu Donkey.bas. Naquela época, era [um jogo] bem emocionante”.

A entrevista foi resgatada pelo projeto The Internet Archieve e pode ser lida no idioma original em inglês.

Vale lembrar que, naquele mesmo ano, os proprietários de computadores IBM PC já dispunham de um game para curtir no aparelho, chamado Microsoft Adventure, que era essencialmente um port do já famoso Colossal Cave Adventure, criado originalmente por William Crowther e Don Woods para o PDP-10, em meados dos anos 1970.

Não menos interessante, o game Akalabeth, de Richard Garriott, produzido originalmente para o Apple II, também ganhou port para o IBM PC em 1981, em uma versão denominada Akalabeth, The World of Doom.

Anos mais tarde, em 1984, IBM_PC_jr_01_fullO, o primeiro game comercialmente lançado para os computadores pessoais seria, também produzido pela Microsoft, baseado em Colossal Cave Adventure, game em texto que já era comum nos mainframes de universidades e centros de pesquisa. 

O The Internet Archieve mantém online o código do jogo, para os nerds entusiastas do Basic e, se você quiser vivenciar um impactante momento de lazer, pode jogar Donkey.Bas diretamente no browser, no endereço: https://www.pcjs.org/software/pcx86/app/ibm/basic/1.00/donkey/, com as mesmas configurações e visual da tela do DOS 1.1.


Esse texto é uma atualização do artigo originalmente escrito para o portal GeeK, em 12 de agosto de 2011, hoje já offline.

Imagem: reprodução de frame de YouTube



sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Enfim, Toren: primeiras impressões de um jogador – Por Renato Degiovani [em 2015]

Toren talvez seja um dos ícones dos games nacionais por se tratar de um projeto que surgiu como fruto do empenho de desenvolvedores independentes do país e tenha passado por todo o périplo da produção ao lançamento, financiado em parte pela Lei Rouanet e, finalmente, disponibilizado em grande escala para PC e um console de renome no mercado, o PlayStation 4.

O projeto da desenvolvedora gaúcha Swordtales, realizado em parceria com a publicadora internacional Versus Evil, chegou ao mercado após quatro anos de desenvolvimento e gerou grande expectativa nos fãs brasileiros de games.

Em 12 de maio de 2015, Renato Degiovani enviou mais uma de suas colaborações ao Play'n'Biz, site que editei até iniciar o projeto Drops de Jogos, com sua opinião sobre o game recém-adquirido.

Abaixo, você lê os comentários e impressões do desenvolvedor.

Não consigo precisar exatamente quando comecei a ouvir falar sobre o game Toren e suas conquistas já bem antes de ser um jogo na plena acepção da palavra. Certamente já havia uma promessa de sucesso e durante todo o período de gestação da aventura, elogios não faltaram.

Foi então que decidi que evitaria ao máximo ver o demo, o pré jogo ou até mesmo vídeos e comentários. Embora neste processo já tivesse conversado com pelo menos um dos autores, minha ideia era esperar pelo lançamento oficial do jogo, adquiri-lo e somente aí adentrar um ambiente que, mesmo restringindo o acesso às informações, já dava mostras do caminho que seria trilhado. Queria ter uma experiência plena de consumidor que pouco sabe sobre um produto e nem está preocupado com a origem do mesmo. Talvez assim, acreditava eu, poderia ter uma opinião honesta e sem estar impregnado pelo contato inevitável com o universo produtor.

Dito e feito. Compra realizada, bastava aguardar o lançamento, o que ocorreu hoje, dia 12 de maio de 2015 – uma terça feira sem nada de especial. Também destaco que nem estava tão ansioso assim para ver o jogo e não por desinteresse mas por pura preguiça mesmo.

Jogo baixado, instalado e… bem, embora a recomendação seja de jogar com um controle, vou ter que fazê-lo no teclado mesmo. Nada que possa estragar a experiência, acredito eu.

Os primeiros instantes do jogo não são nada surpreendentes. Eu tinha toda razão em achar que informações antecedentes poderiam “estragar” a experiência e mesmo tendo as evitado ao máximo, não pude deixar de linkar alguns pequenos com o que deveria fazer, onde ir e como proceder.

Estava fácil. Bonito, mas assustadoramente fácil. O que não era explícito, a imaginação completava de forma automática. Mesmo sabendo que ainda haveria muito o que fazer, meu esforço era no sentido de não sentir uma frustração logo no começo.

Ao mesmo tempo que ia me familiarizando com a mecânica funcional, o vício da criação não parava de sinalizar: não deixa de ser uma forma deliciosa de contar uma história; um verdadeiro livro moderno onde a narrativa, ainda que subentendida, envolve o leitor (e não mais jogador) numa imersão plena.

E quando já ia completar o pensamento “isso sim é um adventure gráfico”, com todas as implicações que esse conceito tem, acabo mergulhando em um mar de possibilidades inesperadas. O jogo me ganhou ai.

Sei que tem muita coisa ainda pela frente que eu ainda não vi, mas a ideia de jogar até o final para escrever esse texto já deixou de ter importância para mim. Agora eu quero saborear a experiência com toda a calma e paciência possível. Não há nada que venha pela frente, no jogo, que me fará desgostar dele um tiquinho que seja.

A percepção de que será um sucesso comercial é até mais forte. Que será um marco na produção BR, não há mais dúvida alguma. Que se trata de um baita jogo, bem, só posso dizer que o pessoal acertou a mão. Demorou, mas acertaram.

Em tempo: Torem ainda pode ser adquirido, via Steam, ao preço camarada de R$ 20.

Imagem: fotomontagem original do site Play'n'Biz


quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Nolan Bushnell [Atari] e Ralph Baer [Odissey]: a treta dos criadores de videogame

 


Uma das tretas mais antigas do universo dos games está nas biografias dos rivais Ralph Baer e Nolan Bushnell. Baer pode ser descrito, de forma suscinta, como o criador dos vídeo games, a partir da invenção e lançamento de seu Odyssey, para televisores domésticos, em 1972. Bushnell está mais para o criador da indústria dos games, pelo lançamento dos inovadores arcades Computer Space e Pong, do dispositivo Pong para televisores e pelo bem-sucedido console de jogos do início da história dos games: o Atari VCS 2600.

Embora a sentença acima pareça resolver a questão – colocando cada criador em seu ‘quadrado’ – o assunto está longe de apresentar consenso e os dois idealizadores do entretenimento lúdico eletroeletrônico jamais aceitaram o protagonismo de um e de outro. Suas histórias também se entrelaçam em mais de uma ocasião nesse histórico, com cenas que parecem tiradas diretamente de filmes de espionagem industrial.

Suas contribuições para a atualidade do mercado de jogos, no entanto, é incontestável, como veremos.

Na obra Video Game Explsion: from Pong to Xbox, de 2008, editado por Mark J. P. Wolf, o escritor David Winter resgata parte dessa história entre os desenvolvedores, demonstrando suas inter-relações perigosas:

“Em 1966, Ralph Baer, um engenheiro eletrônico que trabalhava na Sanders Associates, pensou em uma ideia que havia lhe ocorrido em 1951, quando haviam lhe pedido para construir um conjunto para TVs: a possibilidade de usar esse dispositivo para algo mais do que assistir à transmissão [dos canais]. Após escrever suas ideias de jogo para TV em um papel, ele começou a construir um protótipo para ver se alguma coisa poderia ser desenhada eletronicamente na tela da TV. Logo, um jogo de perseguição havia sido projetado. Depois de alguns aperfeiçoamentos, muitos outros protótipos foram construídos entre 1966 e 1968, sendo o mais completo o Brown Box, uma caixa com chassis duplos coberta com adesivo semelhante a madeira. O melhor game projetado em 1968 era Tennis, um jogo de bola e raquete, que mais tarde a Atari aperfeiçoaria e venderia sob o nome de Pong.”

Como se vê, os créditos vão para Baer, como precursor da novidade, nas considerações do autor.

Na introdução de seu livro, Videogames, In the Beggining, de 2005, Ralph Baer também aborda o tema, sob seu ponto de vista: “Nolan Bushnell, que se tornaria presidente da Atari, a empresa de videogames mais bem-sucedida da década de 1970, jogava esses jogos de computador [Baer se refere aos primeiros experimentos com o mainframe PDP-80] na Universidade de Utah; ele teve uma nova ideia no final dos anos 1960: fazer jogos do tipo Spacewar para os bares e fliperamas deste mundo… isso deve ser muito mais divertido do que jogar pinball. E assim aconteceu. A tecnologia de Circuito Integrado (I.C.) estava pronta; os microprocessadores estavam se tornando mais do que apenas um brilho nos olhos de um engenheiro e estavam ficando mais baratos a cada mês. A Atari aproveitou isso.”

Na sequência, o engenheiro de origem judaica retoma seu insight para a interação lúdica com televisores: “Vários anos antes disso acontecer, eu apareci e fiz um inventário mental de todas aquelas centenas de milhões de aparelhos de TV em todo o mundo que não faziam nada além de exibir qualquer coisa que as estações locais transmitissem. Tive uma inspiração – um Eureka! – e os Home TV Games nasceram… um pouco cedo, tecnicamente, porque os microprocessadores de baixo custo ainda não estavam disponíveis e os CIs [circuitos integrados] digitais ainda eram muito caros, então os jogos tinham que ser relativamente primitivos. Mas nossa Brown Box, de 1968, a última de uma série de máquinas de videogame domésticas que construímos na Sanders Associates entre 1966 e 1968, ainda funciona hoje e o jogo de pingue-pongue que ocasionalmente jogamos continua divertido! O mesmo acontece com o jogo de handebol e os jogos que exigem que os jogadores atirem em alvos, em movimento ou não.”

Em entrevista concedida a esse editor de conteúdo do Drops de Jogos, em 2013, Bushnell comentou as ideias surgidas antes do lançamento de Pong e explica que, antes de produzir o arcade Pong, surgiu o interesse em construir uma máquina com uma central de processamento a partir de um computador Data General Nova, com quatro monitores simultâneos para batalhas em grupo no estilo de Spacewar. Embora verdadeiramente revolucionário, o conceito não funcionava na prática, como explicou na reportagem: “Teria sido realmente genial fazer esse equipamento, mas o problema era que os computadores eram muito lentos na época. O computador com o qual eu estava trabalhando custava quase US$ 4 mil, e tinha uma velocidade de clock de 5 mil kiloheartz – não megaheartz – kiloheartz! Eram realmente muito vagarosos e impossíveis de fazer funcionar aquela ideia”, observou, com muito bom humor.

À revista masculina Playboy, em 1983, Bushnell deu uma versão diferente para a criação de seu primeiro sucesso comercial com jogos digitais: “Nós íamos construir um jogo de corrida, mas eu achei que era um passo muito grande para ele [Al Alcorn] dar, sem saber [exatamente ainda] o que era um vídeo game. Então, defini o jogo mais simples no qual pude pensar, que era um jogo de tênis e disse a ele para construi-lo […] quando ele ficou pronto e rodando, mostrou-se tremendamente divertido.” A informação foi reproduzida pelo site Salon.

“Uma lâmpada deve ter acendido na cabeça de Bushnell no momento em que ele jogou Ping-Pong [na exibição pública do Odyssey, em 1972]: ‘deixe [o jogo] simples'”, escreveu Baer. “Essa decisão teria sido tomada se o Sr. Bushnell não tivesse comparecido à apresentação da Magnavox, onde ele jogou Odyssey com as próprias mãos? Qual a probabilidade disso? Como sabemos, o Al Alcorn fez um excelente trabalho. O primeiro desenvolvimento do Pong se saiu muito bem no bar do Al Capp, em agosto de 1972”, avaliou.

Em uma troca de mensagens entre os dois criadores de jogos, Bushnell deixa claras suas impressões sobre as questões jurídicas de suas realizações: “A meu ver, você inventou o Odyssey. Você viu meu registro de laboratório [lab book] e viu a lista de jogos e descrições que claramente tinham um jogo de tênis listado muito antes de eu ver seu jogo em Burlingame. Eu ainda acredito que as suas ‘formas de reivindicação’ nas patentes foram claramente barradas por causa das artes preliminares [dos jogos do Odyssey]. Nenhum de nós jamais usou algo parecido com o seu circuito. Seu jogo claramente estava em minha mente quando dei o projeto a Alcorn. Achei que o Odyssey não era muito divertido e que poderíamos torná-lo melhor. Como você se lembra, meu jogo de tênis postulava uma bola quicando mais como Higgenbothem [havia concebido], embora eu não soubesse sobre ele na época. Sua maneira direta na tela era um jeito interessante de jogar. Se o Odyssey fosse divertido, você nunca teria que reivindicar a invenção do Pong. É um jogo muito diferente. Você deveria me agradecer porque a maioria das pessoas que compraram Odyssey pensaram que estavam comprando um Pong para casa. A Odyssey dificultou muito o lançamento do Pong doméstico porque as pessoas perceberam que era um fracasso”, escreveu o pai do Pong, segundo o site The Game Scholar.

Steve Bristow, um dos pioneiros profissionais da Atari, também escreveu para Baer, com suas considerações sobre as acusações do pai do Genius: “Embora eu ache incorreto [você] ter obtido uma patente para o jogo que fizemos no Touch Me […] também reconheço totalmente e estou impressionado com o seu trabalho contínuo na invenção de novidades e a maneira como você conseguiu fazer coisas novas e colocá-las em produção. Só posso desejar que você continue com saúde e sucesso em trabalhar em coisas novas, pois é isso que conta. Eu não sabia sobre seu contato com Nolan. Ele tem seus próprios atributos e percepções sociais.”

“Ralph Baer gosta de afirmar que ele inventou Pong, o que ele não fez, Ele inventou Odyssey, que foi um fracasso de marketing. Aconteceu de Pong se transformar em um sucesso, então, ele gosta de afirmar isso. Eu acho isso errado”, queixou-se Bushnell, conforme registrado na obra Vintage Games 2.0: An insider Look at the Most Influential Games of All Time, escrita por Matt Barton, em 2019. O autor continua, narrando os desdobramentos da rivalidade entre ambos os criadores e suas produções: “Em um clássico ‘virar o jogo é parte do jogo’, Baer lançou o bem sucedido brinquedo Simon [conhecido por aqui como Genius], em 1978, que era basicamente uma versão portátil do jogo de arcade Touch Me, da Atari, de 1974.”

Essa passagem de Barton nos traz para o segundo ponto desse artigo: a similaridade entre os jogos baseados em ritmo Touch Me e Simon e o fato de um não ter sido criado sem a existência do outro.

“Um dos primeiros jogos eletrônicos de ação baseada em ritmo é comumente apontado como sendo o Touch Me, da Atari, mas foi o Simon, da Milton Bradley quem primeiro viu um grande sucesso comercial”, descreveu Mark J. P. Wolf em outra obra, seu livro Encyclopedia of Video Games: The Culture, Technology and Art of Gaming, de 2012.

Ambos os jogos foram baseados nos mesmos princípios, a partir da utilização de quatro botões e quatro fontes luminosas. Cada luz e cada botão têm um som associado. O jogo pisca a luz e toca o som em um padrão específico. O jogador deve repetir esse padrão, tocando os botões no ritmo apresentado pelo sistema do jogo.

“Em 1978, Simon, projetado pelo pioneiro dos jogos de televisão Ralph Baer, ​​chegou ao mercado. Foi um jogo de imitar [movimentos] que imitou o jogo de arcade Atari Touch Me, mas expandiu-o incluindo botões coloridos, som aprimorado e, claro, um formato menor e bem diferente. Foi fabricado e vendido pela [fabricante de brinquedos] Milton Bradley, uma empresa mais famosa pelo jogo de tabuleiro Life, publicado pela primeira vez em 1860”, nos conta o texto presente no livro Racing the Beam: The Atari Video Computer System, editado por Ian Bogost and Nick Montfort, em 2009.

Qualquer pessoa familiarizada com Simon sabe que o som foi a chave para seu sucesso. Além das cores vibrantes, cada botão individual também tinha seu próprio som distinto, para que jogadores com habilidades auditivas mais apuradas também tivessem a chance de se sair bem no jogo. Touch Me teve a ideia certa, mas seus botões pequenos e tamanho diminuto, em comparação com a forma redonda e os grandes botões de Simon, impediram que ele se tornasse um jogo que pudesse ser curtido por mais de uma pessoa ao mesmo tempo, algo que a Atari sempre buscado em seus primeiros anos. Consequentemente, Simon se tornou o padrão e Touch Me, que virou um mini-console na mesma época do lançamento do brinquedo da Milton Bradley, foi considerado uma usurpação do Simon ‘original’ pelos consumidores naquele ano.

Touch Me foi um dos primeiros trabalhos de design de Steve Jobs, que foi contratado como o 40º funcionário da Atari, para exercer a função de técnico, consertando e ajustando projetos de placas de circuito impresso. “Acho que ele gostou de alguns dos jogos que ajudou a finalizar e adicionar toques finais, como o jogo ‘Simon’ onde você jogava apertando botões e ele tocava tons, e você tinha que repeti-los. Os botões acendiam e você tentava copiar o padrão”, comentou Steve Wozniac, rememorando a participação de Jobs no projeto. “Touch Me, sim”, responde Steve Wozniac ao repórter Benj Edwards, da Game Developer, na entrevista sobre a presença do parceiro na Atari, confirmando o trabalho de Jobs nesse projeto.

Baer também abordou a dualidade Touch Me/Simon em seu livro, relatando a bem-sucedida atualização do projeto original da Atari: “Em novembro de 1976, eu estava em Chicago assistindo a uma apresentação da MOA (Music Operators of America) sobre os arcades coins-ops [máquinas operadas por moedas]. Eu ia a esses shows rotineiramente em nome da Sanders e da Magnavox para verificar a presença de jogos que poderiam estar infringindo nossas patentes, para as quais a Magnavox era nosso principal licenciado. A Atari tinha várias unidades operadas por moedas na exibição. Uma delas era o Touch Me. Touch Me estava em um gabinete na altura da cintura com quatro ‘botões’ grandes e escuros voltados para o jogador em sua plataforma superior, quase horizontal; durante o jogo, os botões acendiam em sequências aleatórias e a máquina emitia sons de acompanhamento verdadeiramente horríveis e estridentes. Era tarefa do jogador seguir a sequência de luzes pressionando os botões apropriados. Howard Morrison também viu Touch Me e brincou [na máquina e] algum tempo depois, Howard e eu conversamos sobre aquele jogo de Atari, Touch Me. Nós dois chegamos à mesma conclusão: bom jogo, execução terrível, visualmente chato e sons ásperos e sofríveis! Pelo final de 1976 ou início de 1977, começamos a pensar em fazer um jogo portátil usando a jogabilidade básica e genérica do Touch Me [a partir da brincadeira infantil] ‘Simon Says’. Howard achou que valia a pena tentar. Descrevemos uma breve especificação para o que chamamos de nosso jogo ‘Follow-Me’ […] Howard desenhou um quadrado com quatro áreas de toque coloridas, uma em cada canto. Ele tocou esses ‘botões’ com as pontas dos dedos, cantarolou tons e simulou o jogo, que era basicamente um teste de memória que exigia a associação sequencial de sons e cores. E sim, as primeiras versões do jogo eram quadradas; a forma redonda veio depois”, sintetizou o produtor.

Não há registro de Nolan Bushnell ter, em algum momento, reclamado que a equipe de Baer tenha se apropriado da concepção original de Touch Me para ganhar dinheiro às suas custas. Na mencionada troca de mensagens, no entanto, o dono da Atari cutuca o rival, sem meias palavras: “Se estivéssemos anotando, você claramente foi ‘inspirado’ por mais produtos da Atari do que a Atari [foi inspirada] pelos seus”.

Ralph Baer, que ficou mundialmente reconhecido como o Pai dos Videogames por seu pioneirismo, em uma aclamada cerimônia durante a Developers Choice Awards, em 2008, recebeu também a Medalha Nacional de Tecnologia e Inovação pelas mãos do presidente George W. Bush, em 2006. O criador de jogos e brinquedos eletrônicos faleceu no dia 05 de dezembro de 2014.

O inquieto Nolan Bushnell estará de novo no Brasil, na próxima BGS, e continua empreendendo no setor de jogos, tanto nos eSports, quanto na área educacional com games nos últimos anos, como afirmou em outra conversa com o Drops de Jogos, em 2017. Importante citar, não há registro, até aqui, da apresentação do Lab Book com os projetos da Atari, citado por Bushnell na correspondência com Baer.

Esse texto foi escrito originalmente para o site Drops de Jogos, em 13 de agosto de 2023.

Imagem: Ralph Baer e Nolan Bushnell – reprodução de arte de Howard Cruse