quarta-feira, 9 de abril de 2008
COMANDANTE QUEM?!?
Alguns nomes famosos do game design atual parecem indissociáveis de certas criações como Shigeru Miyamoto / Mario e Will Wright / The Sims, por exemplo.
Quando falamos de nomes como John Carmack, John Romero e Tom Hall é inevitável lembrar de produções como Doom e Wolfenstein, os grandes marcos do game em 3D.
Esses meninos, no entanto, têm uma história anterior ao 3D e mostram por que chegaram lá. Tudo começou com a mais descarada apropriação de material alheio, no caso, Super Mario Bros, à época, verdadeira coqueluche dos games de console, até então sem um concorrente à altura na plataforma espartana dos PCs.
John Carmack era então um promissor programador de games na Softdisk, em 1987. Certa ocasião, descobriu uma forma de emular os movimentos do encanador italiano na tela dos microcomputadores que, naquela época, nem de longe eram páreo para a performance de gráficos e jogabilidade dos consoles. A grande sacada de Carmack estava em “enganar” a máquina, gerando a ilusão de movimento fluído no game (veremos o tema em detalhes mais à frente).
Scoth Miller, fundador da Apogee nos idos de 87 (produtora que ficaria mais reconhecida pela série Duke Nuken alguns anos depois), logo que viu a produção dos meninos prodígio da Softdisk percebeu que tinha ouro nas mãos:
“Como programador, reconheci imediatamente a natureza vanguardista da tecnologia de rolagem de tela (o famoso “side scroller”), pois era algo que eu mesmo vinha tentando realizar e havia concluído que a velocidade dos processadores da época não podia dar conta de uma rolagem fluída na tela... Mas o que John Carmack fez era um truque inteligente, que fazia parecer que a tela inteira estava se movendo.
Este é um dos motivos porque John Carmack é especial: ele antevê métodos criativos que ultrapassam as limitações do hardware”, comentaria Miller nessa entrevista em 2004.
Em um fórum do site Gamedev há um breve trecho do livro “Masters of Doom” (que vale a pena ler todo!) que conta um pouco da tecnologia por trás da brilhante sacada de John Carmack para imitar a performance de Mario nos limitados PCs:
“O problema é que simplesmente demorava muito tempo e poder [de processamento] para se redesenhar a tela para cada pequeno movimento. E se pensou Carmack ao invés de redesenhar tudo eu conseguisse redesenhar apenas as coisas que mudam?.. Ele imaginou olhar para uma tela de computador que mostrasse o personagem correndo para a direita sob o céu azul. Se o personagem corresse rápido o bastante, uma nuvem branca poderia passar eventualmente sobre sua cabeça... redesenhando todos os pixels azuis da tela. Então, Carmack teve sua grande idéia: ele escreveu um código que ludibriava o computador, fazendo-o considerar que, por exemplo, o sétimo “quadradinho” [tile no original] era o primeiro da tela. Isso faria com que o computador começasse a desenhar exatamente onde Carmack queria”. (Nota do blogueiro: as artes de vídeo games são compostas por blocos padronizados que se repetem, criando a ilusão de ambiente. Uma imagem composta por dois tijolos, por exemplo, ao ser replicada, dará a impressão de ser um grande muro)
Adicionalmente, o programador conseguiu que o computador guardasse previamente informações na memória, agilizando a movimentação do jogo. Esse truque também se mostraria eficiente e inovador na criação de Wolfenstein 3D.
Uma vez criada a tecnologia que permitia simular a dinâmica do NES nos PCs, os game designers Jonh Carmack, John Romero, Tom Hall e Adrian Carmack (eles não são irmãos!) aproveitaram a arte do game Dangerous Dave, criado por eles para a Softdisk, e fizeram um jogo experimental com o bem humorado título de “Dangerous Dave Infringindo o Copyright” (numa livre tradução).
Consta também no livro “Masters of Doom” que este material chegou a ser levado para a Nintendo, que parabenizou o grupo pelo trabalho mas não mostrou interesse em aventurar-se pelo mercado de PC games.
Foi nesse ponto que Scott Miller envolveu-se com o projeto e a Apogee adiantou US$ 2.000 para os rapazes darem continuidade ao trabalho.
A primeira trilogia do comandante mirim ficou pronta em três meses, desenvolvida pelo time ainda na Softdisk e publicada pela Apogee. Um dos aspectos mais interessantes da criação foi o imenso universo ficcional desenvolvido para o jogo: Keen tem inimigos, vilões, família e todo um contexto que dá solidez ao ambiente do jogo e cria grande empatia do jogador com a narrativa do game.
O comandante que dá título ao jogo é o jovem Billy “Blaze” Blazkowicz (onde foi que você já viu esse sobrenome, hein???), um garoto prodígio de 8 anos com um QI descomunal de 314 pontos. Seu arqui-rival na escola e na saga é Mortimer Mc Mire, que tem o QI de 315 e quer eliminar toda a forma de vida menos inteligente que ele (embora isso não pareça lá muito inteligente...)
No primeiro game da série, Mortimer escraviza os Vorticons para realizar seu audacioso plano. O sucesso da trilogia garantiu mais quatro seqüências. Os talentosos designers do projeto perceberam a dimensão de seu feito e, deixando a Softdisk, criaram a id Software, lar dos futuros sucessos Wolfenstein 3D, Doom e Quake.
Pela ordem de lançamento os games do bravo Keen são:
- Episódio 1 (1990): Marroned on Mars;
- Episódio 2 (1990): The Earth Explodes Keen invade a nave-mãe dos Vorticons para impedir a destruição da Terra;
- Episódio 3 (1990): Keen Must Die O garoto segue para o planeta Vorticon VI para vencer o mentor Great Intellect, passando por guardas e labirintos;
- Episódio 4 (1991): Secret of the Oracle Início da nova trilogia, desta vez Keen vai resgatar o conselho do Oráculo de Gnosticus IV das terríveis garras do povo Shikadi;
- Episódio 5 (1991): The Armagedon Machine Depois de salvar o conselho, Keen descobre que os Sahikadi criarão uma terrível arma para destruir a... (é claro!) Terra;
- Episódio 6 (1991): Aliens Ate My Baby Sitter Curiosamente este episódio não encerra a trilogia, como feito anteriormente.
Há um último episódio que não está diretamente relacionado à saga espacial do garoto-gênio. Quando lançaram a segunda série de jogos na Apogee, os jovens designers ainda tinham um contrato que os obrigava a criar um último jogo pela Softdisk. Keen Dreams, também conhecido como 3.5 e o Episódio Perdido, situa o protagonista em Tuberia, um mundo feérico para onde ele é tragado através da Máquina dos Sonhos e deve vencer o maligno Bobbus Tuber.
Commander Keen tem o mérito de ter conseguido o feito nada desprezível de trazer a animação e o dinamismo dos jogos de plataforma dos consoles para os computadores pessoais. Isso atrairia um novo olhar não somente da indústria cultural, como também do próprio usuário em relação aos computadores, vistos até então, ainda como máquinas de escritório.
O jogo arregimentou uma legião de fãs mesmo depois de seu cancelamento, quando o projeto Wolf3D tornou-se mais importante para o time.
Há muitos sites em homenagem ao jogo e até mesmo um jogo desenvolvido pelos fãs.
Se quiser conhecer um pouco mais sobre esta brilhante criação vá ao site Commander-Keen.com, talvez o mais completo sobre o tema. Lá, também é possível baixar os episódios 1, 6 e 3.5.
É claro que há muito mais para falar sobre o game e seus talentosos criadores, mas haja espaço no blog e ânimo para escrever tanto (sem contar os outros posts que estão na fila há um tempão)...
Por fim, vale comentar algumas curiosidades:
- Scott Miller da Apogee ainda seria surpreendido pela genialidade de Carmack ao ver suas primeiras experiências com 3D em Hover Tank, que usava uma técnica para acelerar a exibição dos gráficos e levaria, mais tarde, à criação de Wolfeinstein;
- No game 6, da babysitter, há um clone de Pong;
- Nos games de Keen, havia inúmeros itens com o nome Acme, criados a partir das bugigangas dos desenhos Looney Tunes e uma homenagem pessoal de Tom Hall a Duck Dodgers;
- Também está disponível na rede a engine CloneKeen para Linux, que permite jogar os três primeiros episódios no micro;
- Uma versão do game foi lançada para Gameboy Advance;
- Se você não sacou antes, Billy Blazkowicz é neto de William Joseph “BJ” Blazkowicz, o protagonista de Wolf3D;
- Commander Keen 4, um jogo desenvolvido por um fã tem uma versão de demonstração que pode ser baixada nesse site.
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Um comentário:
Excelente post! Realmente muito didático não somente em relação à Id Software, mas também ao mercado de games daquela época. Aprendi coisas realmente muito interessantes. Saberia informar se o livro Masters of Doom tem uma tradução para o português? Porque eu fiz uma breve pesquisa e cheguei a conclusão de não há uma edição brasileira, mas, posso (e gostaria!) de estar errado.
Gostei bastante do blog e sua temática. Parabéns!
Continue recordando-nos dos belos e eternos games da década de 90!
^^
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