Quando George Lucas botou o mundo de quatro com sua saga de espadachins a laser e naves que faziam barulho no vácuo (recurso que gerou grande controvérsia no meio acadêmico, indignado com essa – digamos – licença poética), o cinema hollywoodiano encontrou novo fôlego, criando mesmo uma nova estética, que acabaria fatalmente influenciando os games, em lançamentos como Space Invaders, Galaxian, Phelios e tantos outros.
Paralelamente, o meio cultural foi chacoalhado por uma outra revolução: a massificação do entretenimento eletrônico por meio do lançamento dos consoles domésticos de vídeo game.
A combinação desses fatores tornou apenas uma questão de tempo a convergência entre o estúdio cinematográfico e a toda poderosa Atari.
Curiosamente, os dois primeiros jogos desenvolvidos por essa parceria não seriam clones diretos de Star Wars, mas apenas baseados nesse conceitos: Rescue on Fractalus e Ballblazer. Vale lembrar, no entanto, que outros projetos corriam simultaneamente, como os games para VCS baseados em O Retorno de Jedi em 1982 e o arcade Star Wars, desenvolvido pela equipe de Mike Hally com vetores em 3D e lançado em 1983.
A história de Rescue on Fractalus começa em dois campos paralelos:
1) David Fox, que se tornaria líder do projeto, começou abrindo o primeiro centro de acesso público com micro-computadores de que se tem notícia e começou a corrigir bugs de games criados em Basic para poderem rodar nas máquinas de sua pré-Lan House. Na sequência, começou a fazer o porte de games para diferentes plataformas para outras empresas.
Ao lançar em 82 o livro ‘Computer Animation Primer’ em co-autoria com Mark Waite, teve seu primeiro contato com a produtora de filmes espaciais:
“Na semana em que acabei o manuscrito, Gary Leo, um funcionário da Lucasfilm... disse-me que iniciariam um grupo de jogos... Eram notícia muito empolgantes para mim! Imediatamente liguei para eles e agendei uma entrevista com Peter Langston... Ironicamente, a Lucasfilm tinha um acordo de desenvolvimento de games com a Atari e meu manuscrito ilustrando meu conhecimento sobre o computador (os célebres Atari 800) tornou-se meu passaporte para o grupo”, revelaria o designer nessa entrevista.
2) A tecnologia dos fractais era algo relativamente recente na indústria do entretenimento e ainda não aplicado no desenvolvimento de games. Loren Carpenter era um dos pesquisadores dessa tecnologia e já havia produzido alguns trabalhos bacanas, como a animação ‘Vol Libre’ e o efeito ‘Genesis’, apresentado no filme a ‘Ira de Khan’ de Jornada nas Estrelas. Nessa ocasião, Loren e Fox já trabalhavam juntos e deram o pontapé inicial ao projeto, como conta Fox em outro ponto da entrevista:
“Nos primeiros três meses de minha contratação na Lucasfilm eu dividia um escritório com Loren Carpenter, o gênio de divisão de computadores que estava por trás do uso de fractais para criar montanhas e paisagens como visto no efeito Genesis. Perguntei a Loren se seria possível usar uma forma simplificada de fractais em um Atari 800. Adorando o desafio, Loren ficou algum tempo pensando nisso e resolveu arriscar. Nós lhe demos um Atari 800 para levar para casa e, nas semanas seguintes, ele aprendeu a linguagem Assemble 6502, as especificações de hardware do Atari 800 e voltou com uma demonstração de terreno baseado em fractais que fluía a uma velocidade aceitável. Nesse meio tempo, comecei a criar uma história e planejar um gameplay que tirasse vantagem da tecnologia de Loren.”
Essa soma de talentos resultou em um produto interessante e inovador que, além da diversão, oferecia uma sensação de imersão pouco comum até então.
Nem todas as opiniões são favoráveis ou otimistas, no entanto... Gwyn Hughes já havia comentado o porte do game para a plataforma Sinclair, em artigo disponível nesse site: “Se você se acostumar com o fato de que, mesmo com todos os cálculos matemáticos a superfície ainda lhe parece muito achatada, há a metade de um game descente aqui.”
Ainda assim, essa adaptação tecnológica dos fractais para equipamentos básicos como os microcomputadores mostrou-se muito bem aceita pelos usuários e acabou incorporando outras criações da desenvolvedora.
Nessa entrevista, David Fox comenta brevemente os outros projetos: “Estávamos pensando o que aconteceria se pudéssemos, de alguma forma, incorporar aquilo [os fractais] em um computador pequeno. Então, o cenário do game partiu daí e seguimos nessa direção. Nesse caso, aparecemos com a idéia dos gráficos primeiro e o jogo surgiu das rotinas do gráfico. Os outros dois jogos Koronis e Eidolon seguiam noutra direção: as idéias vieram primeiro e os gráficos na seqüência.”
O desenvolvimento do game não foi rápido e a própria Atari acabou retardando o lançamento do game, que só ocorreu no verão norte-americano de 85. Jim Short comenta estes atrasos em um artigo da revista Page 6, disponível na rede:
“Por muitos meses parecia que os proprietários da Atari iam perder 'o bonde' com esse memorável game. Inicialmente, havia rumores de que a Epix lançaria o game sob licença, mas infelizmente o acordo não vingou. No entanto, você se alegrará em saber que a Activision veio para o resgate com “Resgate” (rescue) sendo a palavra adequada.”
Mesmo com o ocaso dos computadores Atari o jogo fez um grande sucesso ao apresentar uma tecnologia tão inovadora e experiência tão marcante.
Se você não conhece o game vale à pena assistir ao vídeo no Youtube ou em outro site para conferir a performance.
É claro que, comparado a qualquer game atual, o resultado parecerá primário e sofrível, mas seria uma grande injustiça com um game lançado há mais de 20 anos (e você talvez devesse estar em um blog de jogos mais modernos, também;-).
O game é um marco da tecnologia de sua época e o próprio David Fox (que deve ter dado um milhão de entrevistas!) ressalta este aspecto, ainda para a Zzap634: “Eu acho que o que fizemos pode ser um pouco mais refinado, mas não acho que possamos dar uma guinada tão grande. Estamos nos aproximando dos limites do que pode ser feito [em computadores de 8 bits] mas fazer o que estamos fazendo, tipo, paisagens baseadas em fractais... estamos realmente limitados pelas capacidades gráficas do computador e também pela velocidade do processador.”
“Queríamos um algoritmo geral capaz de criar uma imagem em qualquer direção... Felizmente trabalhávamos com o hardware Atari. Com uma máquina mais lenta teria sido impossível fazê-lo”, completa Loren Carpenter, nesse artigo.
No game, você é o piloto de uma nave responsável pelo resgate de sobreviventes na inóspita superfície do planeta que dá nome ao jogo.
Originalmente, o game não se propunha a ser um shooter. A idéia era proceder com a missão de resgate e fazer com que as naves inimigas se chocassem contra as montanhas ao perseguí-lo, por meio de manobras e fugas.
George Lucas porém, viria impor sua implacável opinião. Em uma das raras ocasiões em que ele esteve no estúdio para acompanhar o andamento da produção, no verão de 83 (“Normalmente ele vinha para ver os jogos quando estavam quase prontos...”, diria Fox a esta entrevista ao Game Reporter) o trabalho lhe foi mostrado:
“Nós lhe demos o joystick e ele imediatamente começou a pressionar o botão de tiro. Quando nada aconteceu, ele perguntou: ‘Como eu atiro nos inimigos?’. Expliquei a ele que a idéia era ser uma nave de resgate somente... e ele quis saber se era uma escolha moral ou de jogabilidade... Eu ainda era um hippie profundamente “paz-e-amor” e não queria fazer um jogo em que você tivesse que atirar em coisas... eu hesitei um momento, e então admiti que era uma escolha moral. ‘Isto precisa de um botão de tiro’, ele disse. Nós refizemos o jogo”.
“O mostro Jaggi que pula e esmurra o seu para-brisa também veio de uma idéia de George. Ele queria ver os pilotos correndo na sua direção, ele queria tensão... ele sugeriu que talvez os pilotos não fossem o que pareciam”, comentou ainda Fox.
Originalmente, o game deveria se chamar “Behind the Jaggi Lines”. O nome ‘jaggi’ derivava da nova tecnologia de imagens utilizada pela divisão de computaores e que era chamada de ‘anti-aliasing’, responsável por suavizar o ‘jagging’, isto é, o quadriculado existente nas bordas das imagens em pixels. Mais uma vez, é Fox quem dá a letra: “Infelizmente, em virtude da baixa resolução e da limitada paleta de cores dos sistemas de 8 bits, nós não conseguíamos eliminar os ‘jaggies’ dos pixels. Na verdade, as estruturas das duas janelas laterais eram tremendamente ‘jagged’. Nós realmente queríamos fazer graça com isso, chamando o game de “Behind the Jaggi Lines” mas a equipe de merchandising [da Atari] recusou a idéia.”
Embora algumas opiniões possam parecer exageradas hoje, a tecnologia inserida nesses games era algo realmente surpreendente para a época e o mais próximo possível da experiência vivida por Luke Skywalker dentro de um Asa-X.
No já citado artigo de 1984, Arnie Katz não esconde a euforia: “Resumindo, ‘Rescue on Fractalus’ é um game de computador de 2ª geração que leva o estado da arte além, em inúmeras áreas. O terreno tridimenssional torna muito mais interessante o ambiente de jogo do que um campo estelar e a habilidade de apresentar uma superfície planetária tão detalhada permite ao programa desafiar o jogador com uma missão mais plausível do que cruzar o universo forrado de aliens em uma simples nave. Se a criação de softs de entretenimento são uma forma de arte, [os desenvolvedores da Lucasfilm] são uma grande contribuição para a perfeição dessa arte.”
A análise de Ballblazer fica para um próximo post, pois há uma grande quantidade de material sobre esse produto, também.
Que a força (e o joystick) esteja com vocês!
Em tempo: Se quiser brincar de fazer uns fractais no seu micro, baixe esse programa e divirta-se!
O time de designers do game, fora da ordem: David Fox, Loren Carpenter, Charlie Kellner, Gary Winnick, David Levine e Peter Langston.
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