segunda-feira, 14 de abril de 2008

GAME NAS ESTRELAS!

Esse título pode não ser compreendido por alguns dentre os mais jovens, mas houve um tempo no Brasil em que Star Wars era conhecido do grande público tão somente por Guerra nas Estrelas.

Quando George Lucas botou o mundo de quatro com sua saga de espadachins a laser e naves que faziam barulho no vácuo (recurso que gerou grande controvérsia no meio acadêmico, indignado com essa – digamos – licença poética), o cinema hollywoodiano encontrou novo fôlego, criando mesmo uma nova estética, que acabaria fatalmente influenciando os games, em lançamentos como Space Invaders, Galaxian, Phelios e tantos outros.

Paralelamente, o meio cultural foi chacoalhado por uma outra revolução: a massificação do entretenimento eletrônico por meio do lançamento dos consoles domésticos de vídeo game.

A combinação desses fatores tornou apenas uma questão de tempo a convergência entre o estúdio cinematográfico e a toda poderosa Atari.
Curiosamente, os dois primeiros jogos desenvolvidos por essa parceria não seriam clones diretos de Star Wars, mas apenas baseados nesse conceitos: Rescue on Fractalus e Ballblazer. Vale lembrar, no entanto, que outros projetos corriam simultaneamente, como os games para VCS baseados em O Retorno de Jedi em 1982 e o arcade Star Wars, desenvolvido pela equipe de Mike Hally com vetores em 3D e lançado em 1983.

A história de Rescue on Fractalus começa em dois campos paralelos:

1) David Fox, que se tornaria líder do projeto, começou abrindo o primeiro centro de acesso público com micro-computadores de que se tem notícia e começou a corrigir bugs de games criados em Basic para poderem rodar nas máquinas de sua pré-Lan House. Na sequência, começou a fazer o porte de games para diferentes plataformas para outras empresas.

Ao lançar em 82 o livro ‘Computer Animation Primer’ em co-autoria com Mark Waite, teve seu primeiro contato com a produtora de filmes espaciais:

“Na semana em que acabei o manuscrito, Gary Leo, um funcionário da Lucasfilm... disse-me que iniciariam um grupo de jogos... Eram notícia muito empolgantes para mim! Imediatamente liguei para eles e agendei uma entrevista com Peter Langston... Ironicamente, a Lucasfilm tinha um acordo de desenvolvimento de games com a Atari e meu manuscrito ilustrando meu conhecimento sobre o computador (os célebres Atari 800) tornou-se meu passaporte para o grupo”, revelaria o designer nessa entrevista.



2) A tecnologia dos fractais era algo relativamente recente na indústria do entretenimento e ainda não aplicado no desenvolvimento de games. Loren Carpenter era um dos pesquisadores dessa tecnologia e já havia produzido alguns trabalhos bacanas, como a animação ‘Vol Libre’ e o efeito ‘Genesis’, apresentado no filme a ‘Ira de Khan’ de Jornada nas Estrelas. Nessa ocasião, Loren e Fox já trabalhavam juntos e deram o pontapé inicial ao projeto, como conta Fox em outro ponto da entrevista:

“Nos primeiros três meses de minha contratação na Lucasfilm eu dividia um escritório com Loren Carpenter, o gênio de divisão de computadores que estava por trás do uso de fractais para criar montanhas e paisagens como visto no efeito Genesis. Perguntei a Loren se seria possível usar uma forma simplificada de fractais em um Atari 800. Adorando o desafio, Loren ficou algum tempo pensando nisso e resolveu arriscar. Nós lhe demos um Atari 800 para levar para casa e, nas semanas seguintes, ele aprendeu a linguagem Assemble 6502, as especificações de hardware do Atari 800 e voltou com uma demonstração de terreno baseado em fractais que fluía a uma velocidade aceitável. Nesse meio tempo, comecei a criar uma história e planejar um gameplay que tirasse vantagem da tecnologia de Loren.”

Essa soma de talentos resultou em um produto interessante e inovador que, além da diversão, oferecia uma sensação de imersão pouco comum até então.

Nem todas as opiniões são favoráveis ou otimistas, no entanto... Gwyn Hughes já havia comentado o porte do game para a plataforma Sinclair, em artigo disponível nesse site: “Se você se acostumar com o fato de que, mesmo com todos os cálculos matemáticos a superfície ainda lhe parece muito achatada, há a metade de um game descente aqui.”

Ainda assim, essa adaptação tecnológica dos fractais para equipamentos básicos como os microcomputadores mostrou-se muito bem aceita pelos usuários e acabou incorporando outras criações da desenvolvedora.
Nessa entrevista, David Fox comenta brevemente os outros projetos: “Estávamos pensando o que aconteceria se pudéssemos, de alguma forma, incorporar aquilo [os fractais] em um computador pequeno. Então, o cenário do game partiu daí e seguimos nessa direção. Nesse caso, aparecemos com a idéia dos gráficos primeiro e o jogo surgiu das rotinas do gráfico. Os outros dois jogos Koronis e Eidolon seguiam noutra direção: as idéias vieram primeiro e os gráficos na seqüência.”

O desenvolvimento do game não foi rápido e a própria Atari acabou retardando o lançamento do game, que só ocorreu no verão norte-americano de 85. Jim Short comenta estes atrasos em um artigo da revista Page 6, disponível na rede:
“Por muitos meses parecia que os proprietários da Atari iam perder 'o bonde' com esse memorável game. Inicialmente, havia rumores de que a Epix lançaria o game sob licença, mas infelizmente o acordo não vingou. No entanto, você se alegrará em saber que a Activision veio para o resgate com “Resgate” (rescue) sendo a palavra adequada.”

Mesmo com o ocaso dos computadores Atari o jogo fez um grande sucesso ao apresentar uma tecnologia tão inovadora e experiência tão marcante.

Se você não conhece o game vale à pena assistir ao vídeo no Youtube ou em outro site para conferir a performance.

É claro que, comparado a qualquer game atual, o resultado parecerá primário e sofrível, mas seria uma grande injustiça com um game lançado há mais de 20 anos (e você talvez devesse estar em um blog de jogos mais modernos, também;-).

O game é um marco da tecnologia de sua época e o próprio David Fox (que deve ter dado um milhão de entrevistas!) ressalta este aspecto, ainda para a Zzap634: “Eu acho que o que fizemos pode ser um pouco mais refinado, mas não acho que possamos dar uma guinada tão grande. Estamos nos aproximando dos limites do que pode ser feito [em computadores de 8 bits] mas fazer o que estamos fazendo, tipo, paisagens baseadas em fractais... estamos realmente limitados pelas capacidades gráficas do computador e também pela velocidade do processador.”

“Queríamos um algoritmo geral capaz de criar uma imagem em qualquer direção... Felizmente trabalhávamos com o hardware Atari. Com uma máquina mais lenta teria sido impossível fazê-lo”, completa Loren Carpenter, nesse artigo.

No game, você é o piloto de uma nave responsável pelo resgate de sobreviventes na inóspita superfície do planeta que dá nome ao jogo.
Originalmente, o game não se propunha a ser um shooter. A idéia era proceder com a missão de resgate e fazer com que as naves inimigas se chocassem contra as montanhas ao perseguí-lo, por meio de manobras e fugas.

George Lucas porém, viria impor sua implacável opinião. Em uma das raras ocasiões em que ele esteve no estúdio para acompanhar o andamento da produção, no verão de 83 (“Normalmente ele vinha para ver os jogos quando estavam quase prontos...”, diria Fox a esta entrevista ao Game Reporter) o trabalho lhe foi mostrado:
“Nós lhe demos o joystick e ele imediatamente começou a pressionar o botão de tiro. Quando nada aconteceu, ele perguntou: ‘Como eu atiro nos inimigos?’. Expliquei a ele que a idéia era ser uma nave de resgate somente... e ele quis saber se era uma escolha moral ou de jogabilidade... Eu ainda era um hippie profundamente “paz-e-amor” e não queria fazer um jogo em que você tivesse que atirar em coisas... eu hesitei um momento, e então admiti que era uma escolha moral. ‘Isto precisa de um botão de tiro’, ele disse. Nós refizemos o jogo”.

“O mostro Jaggi que pula e esmurra o seu para-brisa também veio de uma idéia de George. Ele queria ver os pilotos correndo na sua direção, ele queria tensão... ele sugeriu que talvez os pilotos não fossem o que pareciam”, comentou ainda Fox.



Originalmente, o game deveria se chamar “Behind the Jaggi Lines”. O nome ‘jaggi’ derivava da nova tecnologia de imagens utilizada pela divisão de computaores e que era chamada de ‘anti-aliasing’, responsável por suavizar o ‘jagging’, isto é, o quadriculado existente nas bordas das imagens em pixels. Mais uma vez, é Fox quem dá a letra: “Infelizmente, em virtude da baixa resolução e da limitada paleta de cores dos sistemas de 8 bits, nós não conseguíamos eliminar os ‘jaggies’ dos pixels. Na verdade, as estruturas das duas janelas laterais eram tremendamente ‘jagged’. Nós realmente queríamos fazer graça com isso, chamando o game de “Behind the Jaggi Lines” mas a equipe de merchandising [da Atari] recusou a idéia.”

Embora algumas opiniões possam parecer exageradas hoje, a tecnologia inserida nesses games era algo realmente surpreendente para a época e o mais próximo possível da experiência vivida por Luke Skywalker dentro de um Asa-X.

No já citado artigo de
1984, Arnie Katz não esconde a euforia: “Resumindo, ‘Rescue on Fractalus’ é um game de computador de 2ª geração que leva o estado da arte além, em inúmeras áreas. O terreno tridimenssional torna muito mais interessante o ambiente de jogo do que um campo estelar e a habilidade de apresentar uma superfície planetária tão detalhada permite ao programa desafiar o jogador com uma missão mais plausível do que cruzar o universo forrado de aliens em uma simples nave. Se a criação de softs de entretenimento são uma forma de arte, [os desenvolvedores da Lucasfilm] são uma grande contribuição para a perfeição dessa arte.”


A análise de Ballblazer fica para um próximo post, pois há uma grande quantidade de material sobre esse produto, também.

Que a força (e o joystick) esteja com vocês!

Em tempo: Se quiser brincar de fazer uns fractais no seu micro, baixe esse programa e divirta-se!

O time de designers do game, fora da ordem: David Fox, Loren Carpenter, Charlie Kellner, Gary Winnick, David Levine e Peter Langston.

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