quinta-feira, 1 de maio de 2008

PULANDO CROCODILOS


Diga o nome de uma celebridade do cinema ou de uma estrela do rock. Qual o nome de seu diretor preferido? Lembre o nome de alguma personalidade famosa que virou apresentador de tv.

Fácil, não? Os game designers, no entanto, são nomes menos conhecidos e reverenciados, por mais que o resultado de seus trabalhos seja motivo de diversão de milhões de jogadores ao redor do mundo. Até mesmo Miyamoto, o grande nome do design de jogos há mais de 20 anos, só é conhecido por gente do meio e pelos geeks, embora sua imortal criação, o encanador Super Mario, seja tão famoso quanto Mickey Mouse.

Mas isso já foi pior, acredite. No começo da era dos games os criadores nem mesmo podiam ter seus nomes citados nos créditos de seus jogos, sob a alegação de que os jogos eram fruto de um trabalho coletivo e que a citação de um nome significaria desprestigiar toda uma equipe.

Isso só mudaria quando, inconformados, alguns designers da Atari debandariam para formar a sua própria empresa, a Activision. A partir daí, um nome despontaria como ícone do profissional de games: o jovem David Crane.

Se o nome não diz nada pra você, é possível, no entanto, que o game mais famoso dele já tenha passado por suas mãos. Estou falando de Pitfall! o game que celebrizou seu criador e foi responsável por inúmeras mudanças no conceito e no modo de se fazer jogos eletrônicos.

Sob muitos aspectos, Pitfall! era incomum e inovador. Mesmo antes de criar o jogo, David Crane já era famoso por embutir nos códigos espartanos dos cartuchos de Atari uma imensa quantidadede detalhes e informações (se você não sabe, os consoles VCS eram construídos sobre um chip de 8 bits com meros 1,19Mhz).

Isso explica o espanto com que os jogadores receberam o game, de arte altamente elaborada e recheado de elementos que, diferentemente dos tradicionais jogos da Atari não "flicavam", isto é, não ficavam sacudindo na tela.

O site Atari Magazine apresenta a reprodução de uma longa matéria sobre David Crane e seu famoso jogo, realizada para a revista Ambassador da TWA em 1983, em que já se observa o ímpeto objetivo e turrão do designer: "Justamente por requerer uma grande quantidiade de trucagens para se produzir um game desafiador, Crane e seus colegas se tornaram adeptos do 'crunching code' ou, comprimir o máximo de informação possível nas pequenas memórias de computador por meio de uma programação enxuta". Na mesma reportagem Crane continua: "Eu frequentemente começo um jogo iniciando por um novo caminho para ludubriar a máquina e vendo que tipo de jogo irá se tornar. Grand Prix é um exemplo. Antes disso, era impensável fazer um carro com todas as cores e formas de Grand Prix. Na ocasião em que eu fazia o jogo as pessoas me diziam que não havia jeito de colocar toda aquela informação dentro do espaço de memória tão limitado que tínhamos disponível. Então eu fui lá e fiz. Sim senhor."

Se você acha que esse feito é surpreendente, não conhece metade da história. Os amigos frequentemente se referem a David Crane como 'gênio' e eles não estão exagerando. "David era o tipo de criança que estava sempre no sotão com um painel de rádio [desmontado] ou botando fogo na própria cama com algum experimento químico", informa Jim Levy, amigo e parceiro da Activision. "Eu abria rádios e coisas assim", complementa Crane. "Eu ganhei uma tv velha aos 13 anos e montei o cabeamento de modo que a tela ficava no gabinete e os controles lá embaixo, perto da cama".

Tamanha inventididade só podia resultar mesmo em alguém extremamente talentoso e criativo. Lembro de ter assistido certa vez ao Making Of de Toy Story (ainda em VHS, vejam só!) em um momento em que os animadores discutiam a criação de Syd, o antagonista da história, que destruía os brinquedos. A avaliação geral era de que Syd não era realmente um garoto mal, mas apenas uma criança hiperativa com excesso de criatividade. No final, um dos técnicos diza: "Se Syd fosse uma pessoa de verdade, tenho certeza de que seria um animador quando crescesse".

Embora não fosse muito dado a leitura ("Eu nunca lia muito quando era criança... Eu não sei... Talvez achasse que demorava muito"), o jovem aprendeu três linguagens de computação e montou seu primeiro micro antes dos 17 anos e acabou se formando na De Vry School of Technology, em Phoenix, no Arizona. De lá, saiu para trabalhar na National Semiconductors em 1975, onde não parou de inventar.

Na ocasião, o chip 741 vendia milhões mas precisava ser testado 1.024 vezes. Para espanto de todos, David criou um programa que realizava o trabalho e poupava os técnicos. Logo um encontro com Alan Miller o levaria a crer que a Atari era o lugar ideal para um brilhante engenheiro como ele, para onde acabou seguindo e 77. A Atari era uma mina de ouro e havia sido recém-adquirida das mãos de Nolan Bushnell pela Warner. Porém, havia um grande descontentamento dos criadores em relação à diferença de postura do ex-chefe Bushnell e dos burocratas da Warner sobre a forma de conduzir as produções da desenvolvedora. "Não há como uma pessoa que não está familiarizada com os intrincados detalhes de um Atari VCS 2600 conduzir e dirigir uma produção de games para o console", desabafou Miller certa vez.

Além disso, os jogos criados pelos designers vendiam aos milhares e a companhia insistia em lhes recusar o crédito por suas criações. A matéria da TWA nos conta um episódio, no mínimo, inusitado: "Uma recente edição da Intellivision News, uma newsletter da Mattel, dirigida aos donos de seu console incluia uma extensa matéria com 'o homem que desenvolveu e programou o jogo Utopia'. Em lugar algum do artigo a identidade do designer era revelada".

Foi quando Miller, Crane, Jim Levy, Bob Whitehead e Larry Kaplan deixaram a Atari para estabelecer a primeira desenvolvedora independente de games. A celebridade de Crane começaria a partir daí. Os jogos da Activision eram vendidos com manuais de instrução que continham a foto de seus designers. "As pessoas me pediam autógrafo. Eu lhes agradecia por pedirem", disse Crane.

Pitfall! foi sucesso absoluto e vendeu milhões de cartuchos, convertendo a empresa de um pequeno grupo de amigos em uma potência dos games de alcance mundial. O jogo permaneceu 64 semanas no 1º ligar na lista de jogos mais vendidos da Billboard e foi considerado o 'Jogo do Ano' em 1982. O site The Dot Eaters comenta que a empresa faturou US$ 150 milhões em 1983, em grande parte por conta do sucesso do game. Centenas de clubes de Pitafall! foram criados, onde os jogadores competiam pela melhor pontuação.

A essência do jogo era simples e você já deve estar careca de saber: vencer os desafios do percurso e resgatar os 32 tesouros em 20 minutos. O site Intelliveisionlives comenta que os jogadores que enviassem à Activision uma foto mostrando um score de 20 mil pontos ou mais receberia o exclusivo certificado "Activision Explorers Club".

De acordo com o próprio designer, o jogo parece ter sido curiosamente criado quase por acaso: "Crane estava a caminho de uma feira de negócios em Chicago quando viu um homem tentando correr através da [via] Lake Shore Drive, em plena hora do rush. 'Ei, essa é uma boa idéia para um vídeo game', ele se lembra de ter pensado. 'Como as coisas todas se encaixaram, a idéia aconteceu em 10 minutos. Foi bem divertido.', ele diz. 'O resto foi trabalho duro'".

David Crane também aparenta ter um processo de trabalho bastante interessante e incomum: "Crane diz: 'Produzir um vídeo game é, com frequência, um processo de eliminação de toda idéia que não se ajusta, como um escultor lascando uma pedra de mármore em busca da estátua aprisionada ali dentro'... Encontrada a idéia, Crane escreve uma breve descrição de como o jogo supostamente deverá se comportar... 'O processo para se criar um jogo interessante pode ser infinitamente tedioso. Você está fornecendo instruções extremamente simples ao microprocessador, dizendo a ele para pegar este número e mover [as coisas] daqui para lá. É tudo o que se pode fazer', explica".

Segundo o Wikipedia há outra versão para esta história, de acordo com uma entrevista de Crane para a revista eletrônica Edge de novembro de 2003, com alguns detalhes a mais: "...[Crane] descreveu como desenvolveu em 1979 a tecnologia que apresentava de forma realística um homenzinho correndo e procurou um jogo que se adequasse para usá-lo: 'Eu sentei com uma folha de papel em branco e desenhei uma figura ereta no centro. Eu disse: Ok! Eu tenho um homenzinho correndo, vamos colocá-lo em um caminho (mais duas linhas desenhadas no papel). Onde é esse caminho? Vamos colocá-lo em uma floresta (desenhei algumas árvores). Porque ele está correndo? (desenho alguns tesouros para serem coletados, inimigos a serem evitados, etc.) e Pitfall! nasceu. O processo todo levou cerca de 10 minutos. Mais ou menos depois de 1.000 horas de programação o jogo estava completo'".

O jogo acabou gerando algumas continuações para diversas plataformas, incluindo uma versão de 2004 para os consoles Xbox, PS2 e Gamecube.

Entre as curiosidades, está uma homenagem ao game em uma fase do jogo Marvel Murderworld: Ultimate Alliance, onde o jogador deve resgatar Jean Grey em um ambiente similar ao de Pitfall. Veja abaixo:


Rolou também pela rede de tv CBS uma animação baseada no game em 1984. Veja no Youtube. Infelizmente, este material nunca saiu em VHS ou DVD.

Em 2007 os mantenedores do blog da Wired conseguiram uma foto ao lado de David Crane e seu game ‘our concour’ na Classic Gaming Expo, que aconteceu no Cassino Riviera, em Las Vegas. O registro histórico você confere nas imagens aí acima.

Outra curiosidade pra matar este post em alto estilo: o site 1up informa que o game esteve perigosamente perto de se chamar Jungle Runner e que a outra opção era Zulu Gold. “Eu não creio que este nome teria funcionado”, comentou Crane.

Em 2006 John Freeborn revitalizou o game criando "Skatefall", com uma pegada mais urbana e que você pode jogar direto no browser, via net. Clique no link e vá jogar!
Quer jogar Pitfall? Clique neste link para baixar um remake e divirta-se!

Em tempo: em terras brazucas também tivemos a criação de um Pitfall nacional. “Em Busca dos Tesouros” foi um game inspirado no clássico e desenvolvido para a plataforma Sinclair ZX-81 em 1986 pelo jovem Tadeu Curinga da Silva e que foi vendido – pasmem! – em fitas K-7. Se quiser conhecer um pouco mais dessa produção brasileira e até mesmo jogar, vá ao site criado em homenagem à obra, que ficou desaparecida por mais de uma década.
Abraço.

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